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Túnel do Tempo br: "Nina" TV Globo, 1977


São Paulo, 1926, quadro de efervescência cultural, política e social, que conflagra embates decorrentes da difusão de valores modernos em uma sociedade ancestral e conservadora. É nesse ambiente que uma jovem professora, íntegra e idealista, Nina (Regina Duarte, estreando brilhantemente no horário, fazendo sua primeira personagem transgressora e voluntariosa, além de iniciar o rompimento com o adocicado e limitador rótulo de “Namoradinha do Brasil”, e voltando às novelas depois de três anos afastada, período em que se dedicou ao teatro e cinema), transfere-se do interior para a capital, contratada de um conceituado e rígido colégio particular feminino. Com pouco tempo de magistério, entra em choque com as demais professoras do educandário, em particular com a inflexível  Dona Angélica (Sônia Oiticica, ótima, podendo-se dizer a atriz-fetiche de Avancini!) e, principalmente, com o diretor e proprietário do estabelecimento, o austero e oportunista Dr. Lourival (José Augusto Branco, muito bem como o vilão que persegue Nina), ao tomar conhecimento que uma menina, de oito anos, Isadora (Isabela Garcia), filha de artistas, teve sua matrícula recusada no estabelecimento em razão de sua origem. Nada ingênua, Nina contesta e se rebela contra as reacionárias normas do colégio e a partir daí se estabelece um atrito ferrenho entre as duas partes, e que se agrava ainda mais quando, mais adiante, outra aluna, Maria Eugênia (estréia de Cristina Mullins, na Globo), é assassinada misteriosamente e as suspeitas recaem sobre a inconformada professora, que perde o emprego, é presa e vive o tormento de provar sua inocência. Nessa segunda fase, de teor um tanto policialesco, Nina se vê obrigada a cortar os cabelos “à la garçonne”, que era moda entre as mulheres mais avançadas dos anos 20 – ou então as marginalizadas!
É também a história de um ambicioso imigrante italiano, Bruno (Antonio Fagundes, já mostrando grande versatilidade e carisma, em seu segundo trabalho na Globo), que vive modestamente em companhia de sua copiosa mamma Antonella (Regina Macedo). Um homem leal, de pulso forte e idéias revolucionárias, na verdade, um arrivista de cunho fascista, cultuador de Mussolini, e que trabalha como administrador dos bens da família de Antonio Galba (Mário Lago, soberbo, como um severo aristocrata quatrocentão), que lhe devota total confiança. Nessa função, conhece e se envolve secretamente com Arlete (Rosamaria Murtinho, extraordinária, em seu grande momento na tevê, além de belíssima e elegante), a filha solteira de Galba. Paralelo a esse romance, Bruno conhece Nina, se identificam em suas contestações, ambições, senso de justiça, ambos de origem humilde, que acabam se apaixonando, e assim forma-se o principal triângulo amoroso da história.
O cenário que mais impressionou na novela, indiscutivelmente, foi a mansão do já citado Barão Antonio Torres Galba (Mario Lago), viúvo e rico fazendeiro de café, ativo militante do PRP – Partido Republicano Paulista, onde vivia rodeado pelas três filhas, Mariana (Maria Fernanda, sempre se destacando), a mais velha, viúva, altiva, orgulhosa e mãe de João Cláudio (Mario Cardoso) e Maria Clara (Kátia D’ângelo); Arlete (Rosamaria Murtinho), a filha do meio, solteira, exuberante e amante das artes e Marta (Regina Vianna), a caçula, oprimida pelo marido, Dr. Lourival (José Augusto Branco), o diretor do colégio em que Nina leciona. Ana Cândida (Sonia Regina) é a filha do casal.
Um cabaré muito agitado, alegre e colorido! No meio de tantos núcleos interessantes e distintos, certamente o mais charmoso era um café-concerto, que dava o tom musical à novela e onde se apresentava regularmente “A Lyra das Mimosas”, um grupo mambembe composto por cinco atrizes-vedetes-bailarinas, da Companhia de Madame Naná (Elza Gomes, sensacional, como sempre), uma velha atriz decadente e patética. Suas mimadas “mimosas” eram Doralda (Maria Cláudia, muito bonita e perfeita no papel de uma estrela analfabeta, porém esperta), Chiquinha (Lucia Alves), Mazinha (Marilia Barbosa, graciosa, tanto como atriz quanto como cantora), Geni (Maria Helena Velasco) e Iracema (Ana Maria Nascimento e Silva). Além de ser também o espaço mais freqüentado pelos personagens masculinos, principalmente o ruidoso e inflamado grupo de estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, composto por João Claudio (Mario Cardoso), Clemente (Lauro Góes), Afrânio (Paulo Ramos) e Clóvis (Vanísio Mello).
Outro ambiente de atmosfera musical era a “Escola de Dança do Professor Frazão” (José Lewgoy), um ex-bailarino que ensinava dança de salão para rapazes. Viúvo e pai de Isadora (Isabela Garcia, em caracterização que a remete à Shirley Temple!), a aluna recusada pelo colégio e que cai nas graças protetoras de Nina, formavam uma dupla encantadora, pai e filha, com um quê chapliniano, que obteve ótima repercussão.
Havia também o ladino Fialho (Ary Fontoura, protocolar), um diretor-camera man de cinema, permanentemente às voltas com as dificuldades de realizar o grande filme da sua vida, todo ele filmado em locações externas. No processo, se envolve com a atriz protagonista, a cândida Mimi (Maria Zilda Bethlem), prometendo-lhe mundos e fundos, e sempre às turras com o seu ator, o dissimulado Alvinho ou “Anjo” (Fabio Junior, em sua primeira novela, revelando desenvoltura cômica, travestido de mulher), resultando em situações divertidas e de puro nonsense.
Três outros personagens carismáticos e importantes que caíram nas graças do público: o malandro Elpídio Morungaba (Osmar Prado, mais uma vez acertando em rica composição), um mordedor golpista que trabalha nos Correios e Telégrafos e vive de pequenos bicos, inclusive seduzindo a veterana Madame Naná, fazendo-lhe juras de amor eterno, que ela finge acreditar, mas de olho na suposta fortuna que a empresária teria escondido; o janota Miguel (Marcos Paulo, no auge da fase galã), um vaidoso desocupado que explora as mulheres, principalmente Doralda, por quem se apaixona; e a pitoresca  Dona Tetéia (Lucia Mello, engraçadíssima, em seu único trabalho na Globo), a amedrontada fofoqueira dona da pensão onde Nina se hospeda. Os três atores acertaram no tom e garantiram momentos hilariantes à novela.
A interferência constante da Censura Federal, retalhando tantos capítulos, frustrava o elenco, produção e direção. Os atores gravavam a novela sem muito estímulo, mas assim mesmo colheram frutos saborosos, como por exemplo: a rigorosa e prestigiada APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) concedeu os prêmios de 1977, como melhores atores, de tevê, a Antonio Fagundes, que dividiu as honrarias com Mario Lago e à Rosamaria Murtinho, o de melhor atriz! Palmas para “Nina”! Apesar de tantos contratempos, indiscutivelmente trata-se de uma novela que ficou na memória e retina de quem a assistiu.

Curiosidades

  • O elenco de Nina estava escalado para "Despedida de Casado", trama que foi vetada pela Censura Federal por tratar de separação de casais. Assim como NinaDespedida de Casado era da autoria de Walter George Durst e seria exibida às 22h.
  • Nessa novela, Regina Duarte foi se despedindo da imagem de "a namoradinha do Brasil" que seria definitivo em Malu Mulher, um ano depois.
  • Rosamaria Murtinho foi premiada pela Associação Paulista de Críticos de Arte por sua atuação como Arlete
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